01/03/2020 – O Estádio Ulrico Mursa

Domingo frio e chuvoso. Às 6h50 partíamos do Terminal Rodoviário do Jabaquara em direção à Santos, a cidade mais esportiva do Brasil para vermos nossa primeira partida  fora da Região Metropolitana de São Paulo: Portuguesa Santista x Esporte Clube Taubaté, pelo Campeonato Paulista A2.

Chegamos duas horas antes do início do jogo. Pudemos andar pelo centro, próximo ao estuário, sob uma incessante garoa que molha até os ossos, mas que não desanimou nosso espirito andarilho. Por conta do horário, o comércio estava fechado e as ruas vazias. No entorno dos armazéns antigos, boa parte das construções estão abandonadas e com sua estrutura deteriorada. O silêncio da manhã era cortado pelo correr dos caminhões na Rua Xavier da Silveira e, principalmente, pelo ranger pesado do trem, carregando a soja que arrasa o campo para o exterior. Sua cotação no momento em que o post é escrito está em R$82,91 a saca.

Em frente à antiga Alfandega está o atracadouro da lancha da Dersa que faz a travessia de pedestres Santos-Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá. O valor da passagem é R$1,55 e o intervalo médio entre cada partida final de semana é de 20 minutos. No momento em que o trem está passando, o acesso ao atracadouro é feito por uma passarela na qual é possivel enxergar as embarcações que se destinam ao porto.  A neblina e o cheiro do mar me fizeram por um momento querer ser Ismael.

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Em primeiro plano, o atracadouro da lancha da Dersa.

Quase 10h, voltamos ao entorno da Praça dos Andradas para pegarmos um Uber até o estádio, no bairro também chamado Jabaquara, à quase 3 km dali. Uma distância possível de ser feita a pé se não estivesse em cima da hora do jogo e se não fosse a fome que nos abatia. Procuramos alguma coisa para comer, mas os únicos estabelecimentos abertos, no entorno da Rodoviária, não eram exatamente convidativos para se tomar um café.

Por R$ 6,45 a corrida, descemos do carro exatamente no momento em que tocava o hino nacional e fomos comprar os ingressos. Há três modalidades de ingresso no estádio: arquibancada descoberta, arquibancada coberta e cadeira coberta. Escolhemos obviamente a primeira, vinte reais a inteira.

O Estádio, com capacidade para sete mil pessoas, leva o nome do engenheiro e diretor da Companhia de Docas de Santos , Ulrico Mursa, que doou para a Associação Atlética Portuguesa o terreno em 1914. A inauguração ocorreu três anos depois, em 1917.  O estádio pode ser considerado um marco construtivo nacional. De acordo com o site do clube:

A Portuguesa ganhou destaque em 1932, na gestão de Eduardo Costa Lima, quando entregou a primeira arquibancada de concreto da América Latina. Seis anos depois, em 1938, a Briosa seria novamente pioneira ao ser o segundo clube da cidade a dispor de um sistema de iluminação, graças à “Campanha do Vagalume”, em que todos os dirigentes, conselheiros, sócios e simpatizantes do clube doavam lâmpadas de 1500 watts cada, construindo então uma torre de 31 metros e 80 centímetros.

Passamos pela revista policial e entramos a tempo de ver o chute inicial. Sentamos na lateral, próximo ao reduto em que estava confinada a pequena torcida do Taubaté. No entanto, a garoa engrossou, nos forçando a ir para debaixo da cabine de locução. Um pouco escuro e mais quente, não foi difícil fechar os olhos para recuperar a noite mal dormida por conta da viagem e cair num soninho, do qual fui prontamente desperta por um grito de “JUIZ FILHO DA PUTA”, dez minutos depois, dos torcedores ao meu lado.

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Não estava propriamente lotada a partida, mas compareceu uma torcida fiel e bastante animada com o jogo. Jogo este com bastante contato, faltas e até um cartão vermelho. A Briosa, como é conhecido o time santista, começou o jogo bastante ofensivo, um tanto briguento e presunçoso. O primeiro tempo transcorreu quase integralmente na área adversária. Muitas ameaças, o gol parecia uma iminência incontornável. Chegaram a conseguir um pênalti, mas o goleiro taubateano defendeu.

O campo encharcado, levantando água a cada jogada, a bola pesada que esquecia de rolar. Após o intervalo, os atletas voltaram com uniformes limpos e a situação do jogo pareceu se inverter. A Briosa não conseguia mais ultrapassar o meio-campo e o time visitante começava a crescer no jogo e finalizar mais jogadas. Aos 12 minutos, uma entrada violenta levou à expulsão de Brumati, da equipe rubro-verde, e deu inicio a um pandemônio no jogo. Após o momento de tensão que sucedeu o cartão vermelho, a movimentação em campo dos dois times estavam no modo freestyle. Ninguém acertava passe, a bola ia direto para os pés do adversário, a torcida cada vez mais injuriada com a arbitragem.

Foi aos 31 minutos que veio a glória do Taubaté. Totalmente sozinhos no campo adversário, não tiveram dificuldades para balançar a rede dos donos da casa numa sucessão de lances que deixou a torcida da Briosa calada. O jogo seguiu a partir de então ainda mais desencontrado. A Portuguesa teve chance de empatar, mas o jogo terminou no 1×0.

Havia alguém fazendo locução do jogo, talvez tenha sido o próprio Walter Dias, porém não conseguimos entender uma palavra do que foi dita devido a falta de sistema de som no lugar em que estávamos. A chuva e frio nos impediu de um registro fotográfico completo do estádio. Acabamos também nem indo ver a lanchonete ou comendo algum alimento vendido na arquibancada, fundamental para a experiência do jogo. Ficamos com uma sensação de incompletude na nossa avaliação.

Mas voltamos pra São Paulo felizes por o blog ter sobrevivido às tempestades dos últimos dias e o motivo dele também♡.

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O Ulrico Mursa visitado em 1991 aqui.

 

06/01/2020 – O Estádio Municipal Hermínio Espósito

O Hermínio Esposito faz parte de um complexo esportivo bem no centro de Embu da Artes que conta ainda com um ginásio poliesportivo e academia, porém muito pouco está documentado sobre ele na internet. Não é possível saber, por exemplo, qual a data de sua construção ou de fundação. Para isso, aparentemente, deveria ser feito uma pesquisa in loco na Prefeitura de Embu das Artes. O que se sabe, no entanto, é que ele sofreu uma grande reforma em 2019 para abrigar competições oficiais de futebol.

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Para a 51ª Copa SP de Futebol Júnior, o estádio foi sede do grupo 16 tendo como anfitrião o clube da cidade vizinha, o Clube Atlético Taboão da Serra, motivo para sua reforma recente, visto que há um embate político entre o grupo que comanda o clube e a prefeitura de Taboão impedindo o CATS de usufruir do estádio de sua cidade. Além disso, o presidente do clube é também secretário de esportes de Embu, o que obviamente facilitou a migração. Completando o grupo, Vila Nova, Internacional de Limeira e CRB disputavam as duas vagas para a segunda fase.

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Para quem chega em Embu pelo centro, o estádio é de fácil localização. A estrutura é de pequeno porte e aceita por volta de cinco mil torcedores em suas arquibancadas que cercam apenas um dos lados do campo, mas o espaço é bem simpático e colorido com as cores oficiais da cidade, além de um belo entorno repleto de árvores. Não há barreira física entre torcidas, então o estádio não comporta jogos com algum grau de periculosidade entre duas torcidas rivais.

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Assistimos à segunda rodada da primeira fase da Copinha. Desta vez presenciamos integralmente apenas o primeiro dos dois jogos no dia, com um CATS empolgadíssimo e ofensivo contra um Vila Nova sem reação aos donos da casa. O sol das 13h de um verão escaldante em pleno janeiro estava sendo uma sessão de desgaste extremo para os atletas e incomodava muito os torcedores que deviam ficar voltados exatamente de frente para seus raios luminosos. Ao final do jogo, CATS enfiou 4×0 no clube goiano e obteve uma excelente campanha na Copinha, chegando às oitavas de final para então ser eliminado pelo Athletico Paranaense. No segundo jogo do dia, o qual vimos apenas o primeiro tempo, CRB venceu por 2×0 a Inter de Limeira. CRB chegou até a terceira fase e sucumbiu ao próprio CATS, numa derrota por 0x1.

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Sobre a recente reforma.

Página da Wikipedia com poucas informações.

05/01/2020 – O Estádio Municipal Francisco Ribeiro Nogueira

Começo de ano é boa época para visitar estádios graças à Copa São Paulo de Futebol Júnior, mais conhecida como Copinha, campeonato de base em que quase todos os seus jogos são gratuitos e que nos presenteia com muitos estádios pouco utilizados em torneios profissionais. Neste ano, é realizada sua 51ª edição, portanto um evento que já é tradicional no calendário futebolístico nacional. Nascida como Taça São Paulo de Juvenis (e, posteriormente, “de Juniores”), a Copinha mantém a regularidade de ocorrer sempre no mesmo período do ano a fim de que sua final coincida com o aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro.

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Desta vez, escolhemos uma das últimas cidades sentido leste da Região Metropolitana de São Paulo e quase tocando o litoral, Mogi das Cruzes. A cidade é servida pela linha 11-coral da CPTM e o estádio situa-se relativamente perto da estação Mogi das Cruzes, esta no centro da cidade. O município de médio porte abriga dois clubes que dividem o uso do estádio municipal ao qual nos dirigimos: o União Futebol Clube (vulgo União Mogi), tradicional clube fundado em 1913 e atualmente na Segunda Divisão do Campeonato Paulista (não confundir com série A2), e o Atlético Mogi das Cruzes, fundado em 2004 e também na Segundona.

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O estádio Francisco Ribeiro Nogueira, mais conhecido como Nogueirão, e o terreno onde ele se encontra possuem uma longa história. Em 1942, foram comprados os terrenos de sua localização e de seu entorno para a construção da usina siderúrgica Mineração Geral do Brasil (MGB), que começou a funcionar em 1944, no período derradeiro da Segunda Guerra e de alta demanda por aço. Além da construção da usina em si, foram construídos uma Vila Industrial, conjunto de 550 residências para abrigar os operários, e um espaço de lazer, a princípio um campo de futebol e que viria a ser um centro desportivo que incluía equipamentos de atletismo para os funcionários da usina. Nascia com ele o Estádio Cavalheiro Nami Jafet, onde jogava o Esporte Clube Mineração Geral do Brasil.

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No entanto, os anos de bonança não duraram mais do que duas décadas. Em 1966, a MGB entrou em crise e paralisou suas atividades, sendo adquirida em 1968 pela recém implementada estatal Companhia Siderúrgica de Mogi das Cruzes (Cosim), um movimento da ditadura militar para tentar salvar esta indústria de base. Em 1973, a Cosim é incorporada a uma holding estatal chamada Siderbrás (Siderurgia Brasileira). Com isso, o estádio e seu terreno são municipalizados. Posteriormente, a empresa é privatizada para uma companhia de nome Excell/Mogi Tubos, que fecha as portas no final dos anos 1990. Hoje o que não faltam são imbróglios judiciais e econômicos: processos trabalhistas e incertezas quanto ao destino do terreno, em parte comprado pelo Grupo Shibata, em parte mantido pelo poder público para transformá-lo em um parque.

Quanto ao estádio… bem, ele continuou sob administração municipal e foi demolido e reconstruído em 1995 sob o nome atual. O Nogueirão recebeu uma grande reforma em 2015 e durante nossa visita vimos um estádio muito bem conservado. Este ano ele foi sede do grupo 21 da Copinha, composto pelas equipes de União Mogi, Real Brasília, Grêmio Porto Alegrense e Juventus. Fomos presenciar a segunda rodada da primeira fase com dois jogos sendo disputados sequencialmente.

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O primeiro deles trazia os donos da casa contra o Real. O que parecia ser o ponto baixo da manhã de domingo acabou sendo a melhor partida do dia, não tanto pela qualidade técnica dos presentes, mas pela chuva de gols que tomou conta do Nogueirão no segundo tempo da partida. Após um primeiro tempo razoavelmente equilibrado entre as equipes, no segundo período a equipe do cerrado não deu chance para o União e finalizou o jogo com larga vantagem: União F.C. 1×5 Real Brasília. No segundo jogo, as equipes do Juventus e do Grêmio mantiveram-se no mesmo nível, mas também fizeram um jogo mais morno, terminando com o placar de 1×1.

Destes clubes, passaram para a segunda fase Real e Grêmio. O time porto alegrense, que nunca venceu uma Copinha, acabou chegando à final, mas foi derrotado pelo seu rival Internacional nas cobranças de pênaltis.

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Após as partidas de futebol, fizemos nosso usual passeio pelo centro da cidade. Como era um domingo, quase tudo estava fechado, mas a cidade parecia bem cuidada e com um centro charmoso pela baixa densidade de prédios altos e pelos calçadões. Particularmente nos chamou a atenção a antiga parada de ônibus rodoviário com seu traçado art déco. O clima quente, abafado e mormaço e a alta taxa de vendinhas de açaí por metro quadrado nos fizeram lembrar que estávamos a poucos quilômetros do litoral, mas a aparência em si da cidade remetia mais a uma cidade interiorana. Satisfeita nossa curiosidade, pudemos tomar nosso rumo de volta a São Paulo felizes pelo sucesso da domingueira.

 

02 e 16/11/2019 – A Arena Corinthians (O Itaquerão)

Não sem um pouco de atraso mas antes tarde do que nunca, escrevemos finalmente a respeito de um momento muitíssimo especial deste blog: finalmente fomos conhecer a casa do Corinthians, time inequívoco dos autores daqui. E o visitamos em dois momentos: No seminário Corinthians: Democracia e Repressão, promovido pelo Núcleo de Estudos do Corinthians; e na final do Campeonato Paulista Feminino.

Chegando de metrô à estação Corinthians-Itaquera, ainda dentro do vagão, é possível entrever o estádio imponentemente elevado e majestoso, com sua brancura leitosa. Em nossa primeira visita à casa Alvinegra, assim como nas que se seguiram, o céu estava aberto e o sol inclemente. O seminário aconteceu no mesmo dia do festival de hip-hop Sons da Rua, e muita gente saindo da estação estava indo ver os shows. Como não sabia onde por onde entrar, achei que seria uma boa ideia acompanhar a multidão.

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Não era. Subi a imensa ladeira da av. Miguel Ignácio Curi, sem a sombra de uma árvore sequer, atoa. Enquanto a entrada para o show era no portão G, o acesso para o seminário era pelo estacionamento da Radial. O erro, porém, me fez dar uma volta completa na construção. Não foi tão difícil quanto subir o Monte Sinai, mas pude testemunhar os dez mandamentos do corinthianismo na face oeste do estádio. Então passei pela garagem para poder chegar no local em que acontecia o evento, a sala de imprensa, localizada no subsolo.

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Organizado em duas mesas, o seminário discutiu as dimensões sociais e politicas do futebol, especialmente em relação ao Corinthians e a sua torcida, obviamente. Das discrepâncias do clube e seus dirigente, à repressão das torcidas e a elitização do futebol foram posta em pauta. Uma das falas mais incisivas foi do publicitário e um dos fundadores da Gaviões da Fiel, Chico Malfitani, que abordou a necessidade do posicionamento antifascista diante do cenário político atual.  De alguma forma me pareceu potente trazer esse tipo discussão para dentro desse espaço contraditório que é a Arena, encarnação do futebol mercantilizado que afasta as massas da torcida e se transforma em produto de luxo.

A inacessibilidade da Arena se mostrou para mim neste dia em um exemplo prosaico. Neste dia, o único lugar possível para comer alguma coisa durante o seminário era uma lanchonete em frente à sala de imprensa. A única opção vegetariana era um pão de queijo muchibento que custou dolorosos seis reais. Fui embora com fome.

Alguns trechos do seminário podem ser vistos aqui.

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A Arena Corintians se materializou no contexto da Copa do Mundo de 2014, em que recebeu a celebração de abertura e seis partidas da competição. A construção, iniciada em 2011, foi realizada pela Odebrecht e teve custo final de mais R$1,1 bilhão. No entanto, o projeto de um estádio de grande porte que fosse do Corinthians tem uma longuíssima história, como descreve Roberto Righi¹:

“Nas décadas de 1950 e 1960 o presidente Vicente Matheus sonhava com um estádio para 200 mil expectadores, que levou ao pedido à Prefeitura Municipal de São Paulo do terreno hoje ocupado, vinculado à COHAB para projetos habitacionais. Em 1968, ainda sem a área, o presidente Wadih Helu pretendeu construir um estádio para 135 mil pessoas, depois substituído pela suposta compra do Estádio do Pacaembú, não realizada. Apesar de tudo foi só em 1978 que a gleba de 197 mil metros quadrados foi cedida pelo prefeito Olavo Setubal por 90 anos, renovada em 1988, com a condição de que qualquer construção deveria ser revertida para a municipalidade sem custo após 90 anos. Cogitou-se também nos anos 1980 reformar o Parque São Jorge cobrindo e ampliando sua capacidade para 41 mil lugares. Porém nada se realizou e na administração de Alberto Dualib novos projetos surgiram e fracassaram. Cogitou a construção de um estádio novo na Rodovia dos Bandeirantes ou Ayrton Senna com parceria do Banco Excel. Na sequência também aventou: primeiro um na rodovia Raposo Tavares em parceria com a Hicks, Muse e Tate&Furst, depois voltou para Itaquera e o Parque São Jorge. Finalmente, em 2009 André Sanches, presidente do Corinthians, cogitou a compra do Pacaembú para a construção de um mega empreendimento.”

Fortuitamente, enquanto pesquisava outro assunto em uma biblioteca municipal, encontrei um livro do Metrô de São Paulo a respeito da construção da Linha 3 – Vermelha, publicado em 1979. Em Leste oeste : em busca de uma solução integrada, aparece os projetos iniciais das estações e intervenções urbanísticas em seu entorno. Me surpreendeu bastante encontrar um menção à um estadio do Corinthians localizado nas imediações da estação Itaquera. Observa-se, porém, que projeto era completamente diferente do estádio que veio a ser construído décadas depois, como os anéis circulares  e um recuo maior das arquibancadas  em relação ao campo (provavelmente para a inclusão de uma pista de atletismo), semelhante ao desenho do Morumbi.

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Em 2012, Prefeitura de São Paulo anunciava a construção do Polo Institucional Itaquera, como parte do investimento na Copa, um grande complexo multifuncional no entorno do estadio, que previa, entre outras coisas, uma rodoviária, um parque tecnológico e um centro de convenções, dos quais só a Fatec foi concretizada. O projeto contava ainda com a melhoria de espaços públicos, como construção de bulevares, passeios e praça, que também nunca saíram do papel.

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O entorno do estádio caracteriza-se hoje por uma aridez sem fim. Nada de praças ou áreas ajardinadas, apenas asfalto, grama e o passeio público de cimento sem proteção de árvores, contribuindo para um calor intenso nos dias de sol. A leste do estádio há um grande pátio asfaltado em abandono, onde estava projetada a construção de um Fórum acompanhado de massa arbórea e um Centro de Convenções e Eventos, conforme mostra ilustração abaixa.

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O segundo semestre é sempre mais complicado assistir a jogos a baixo custo e visitar estádios mais desconhecidos porque neste período a maior parte dos campeonatos regionais ou de base já se encaminham para seus últimos jogos. Conforme acompanhávamos a distância o andamento dos campeonatos femininos, o brasileiro e o paulista, sabíamos que seria neles onde encontraríamos nossa última chance de visitar um estádio este ano. E a oportunidade que surgiu foi inesperada. Ao contrário do ano passado, quando o Corinthians foi vice-campeão na Fazendinha, as finais do Campeonato Paulista Feminino de 2019 marcaram a presença das meninas de São Paulo e Corinthians no estádio do Morumbi e na Arena Corinthians. Tudo se configurou para que pudéssemos conhecer o estádio paulista da Copa do Mundo no sábado de 16 de novembro, data de aniversário de um de nós, e assistir nossa primeira final de campeonato juntos.

O jogo era gratuito, porém os ingressos seriam distribuídos alguns dias antes nas bilheterias do estádio. Tivemos a sorte de poder comparecer no primeiro dia de distribuição, pois neste dia mesmo os ingressos se esgotaram. Apesar da longa fila e de ficarmos torrados sob o sol de Itaquera (esquecemos do protetor solar), saímos de lá com o sorriso no rosto e a garantia de que iríamos presenciar aquele jogo que prometia fechar com chave de ouro a excepcional campanha do time feminino do Corinthians (campeão da Libertadores, vice do Brasileiro e a marca de 34 vitórias consecutivas, recorde mundial).

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Dia da retirada dos ingressos, 13 de novembro.

Chegado o grande dia, entramos pelo portão B para alcançar as cadeiras no lado Oeste Superior. Esta entrada nos possibilitou conhecer o átrio do estádio, onde está disposta uma exposição de inúmeras camisetas e outros itens que marcaram a história do Timão. Ficamos um pouco incomodados com o excesso de branco na construção, lembrando muito o branco asséptico das galerias de arte, e sentimos falta do concreto quente das velhas arquibancadas de estádios. Além disso, para provar que a assepsia não é metafórica, é possível ir ao banheiro sem encostar as mão nas descargas, pois tudo é automatizado, o que, contrariamente a sua proposta de economia, acabavam gastando muito mais água, pois os sensores de movimento estavam desregulados e dando descargas múltiplas.

Daí entramos finalmente nas arquibancadas, um momento um tanto emocionante, seja pelo evento decisivo que iríamos presenciar, pelo tamanho do estádio ou pela importância que aquele jogo poderia ter no futebol feminino. E de fato teve, pois 28.862 pessoas compareceram ao estádio, marcando um novo recorde de público entre dois clubes brasileiros de futebol feminino.

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Após vencer o primeiro jogo no Morumbi por 1×0, o time corinthiano só precisava de um empate para sagrar-se campeão, mas isso não impediu que ocorresse um jogo bastante aberto e movimentado. Poucos minutos após o início da partida, no horário bastante ingrato das 11h da manhã, o Corinthians abre o placar, com muita vibração da Fiel que não descansou um segundo durante o jogo, obrigando o São Paulo a se abrir ainda mais em busca de um gol. O clima foi de festa durante toda a partida, pois muitas barreiras estavam sendo quebradas naquela partida, como, já citados, a estreia do feminino no Itaquerão, a participação do público e, entre as quatro linhas do campo, o primeiro título estadual da equipe do Corinthians e a marca de incríveis 44 jogos consecutivos sem perder (a derrota para a Ferroviária na final do Brasileirão aconteceu nos pênaltis após dois empates). O segundo tempo foi palco de mais um show das alvinegras, que ampliaram o placar para 3×0 e puderam soltar da garganta da torcida o “é campeão” tão esperado naquele sábado ensolarado.

Na saída do jogo tivemos a oportunidade de provar a pior pizza de estádio das nossas vidas. Convictos de que a qualidade seria comparável à qual saboreamos após um jogo no Pacaembu, fomos com água na boca atrás das famosas pizzas de 10 reais. Infelizmente, nos deparamos com uma massa de pastel crua e uma cobertura nojenta de algo que emulava queijo e calabresa. Um final lamentável para um dia glorioso.

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¹ Righi, Roberto. Definição, desenvolvimento, e legado da Copa de 2014 em São Paulo, Brasil. Anais NUTAU 2014 – Megaeventos e Sustentabilidade: Legados tecnológicos em Arquitetura, Urbanismo e Design, 2014.

30/08/2019 – O Estádio Municipal Cícero Miranda

Após duas vezes planejar ir a Guarulhos visitar um de seus estádios, finalmente conseguimos pôr em ação nossa vontade. Em uma tarde de sexta-feira, fomos até o estádio Cícero Miranda para acompanhar uma partida da Segunda Divisão do Campeonato Paulista Sub-20, entre as equipes da Associação Desportiva Guarulhos e Grêmio Mauaense. O primeiro tempo foi marcado pela superioridade da equipe visitante, que conseguiu manter o ritmo e a bola no campo adversário, enquanto o time de Guarulhos ofereceu pouco risco para o Mauaense que abriu o placar na etapa inicial. Já no segundo tempo o jogo ficou mais equilibrado, mas não foi o suficiente para reverter o resultado que terminou em 2×1 para os visitantes. No geral, foi um jogo de muitos erros de passes de ambos os lado e uma tensão entre os jogadores, que trocaram provocações durante a partida. Quando chegamos ao local, demoramos um tanto para reconhecer os times pela cor do uniforme. Guarulhos jogou de branco e o Mauaense de azul, frustrando nossa expectativa de ver a equipe da casa jogando com o uniforme principal.

A Segunda Divisão do Campeonato Paulista Sub-20 é organizada pela Federação Paulista de Futebol – FPF, entidade que regulamenta a prática profissional do futebol em São Paulo. Dentre as exigências que a federação aplica às equipes licenciadas, está a obrigatoriedade em participar de, no mínimo, uma de suas competições de base ou da Copa Paulista (item I.02). No entanto, apesar de as equipes participantes serem profissionais e poderem cadastrar jogadores também profissionais, as competições de base são consideradas amadoras, portanto seus números e estatísticas não entram no histórico da equipe principal. Como são competições de menor importância voltadas a formação de atletas, as equipes acabam sendo majoritariamente formadas por atletas amadores que buscam ascensão profissional no esporte. A lei nº 9.615/98 (Lei Pelé) e as atuais leis trabalhistas permitem a profissionalização a partir dos 16 anos, porém é possível estabelecer contrato de formação com o clube desde os 14 anos em regime de aprendizagem, podendo com isso receber uma bolsa ou auxílio financeiro. Vale notar que ainda existe a categoria de atleta educando, não possuindo contrato com o clube, para atletas com menos de 14 anos. No caso da FPF, as competições sub-13 e sub-11 possuem regras específicas como tempo menor de partida, além de bola menor e 9 jogadores em campo no sub-11. Segue a diferença entre profissionais e não-profissionais segundo o regulamento da CBF para registros de atletas:

CAPÍTULO I

CATEGORIAS DE ATLETAS

Art. 1º – os atletas de futebol no Brasil desdobram-se em duas categorias: profissionais e não profissionais.

§ 1º – é considerado profissional o atleta de futebol que exerce a sua atividade desportiva em cumprimento a um contrato formal de trabalho desportivo firmado e regularmente registrado na CBF com uma entidade de prática desportiva, doravante denominada clube.

§ 2º – é considerado não profissional o atleta de futebol em formação que o pratica sem receber ou auferir remuneração, ou, sem tirar proveito material em montante superior aos gastos efetuados com sua atividade futebolística, com exceção do valor recebido a título de subsídio de formação avençada em um compromisso desportivo com o clube formador, sendo permitido receber incentivos materiais e patrocínios.

Todas competições da FPF, incluindo as amadoras, exigem a produção de documentos e registros que validem o resultado em campo, como o caso da súmula do jogo, em que são anotados todos os dados da partida, como nome dos jogadores e da equipe técnica, duração dos acréscimos, faltas e advertências. E torna-se também um documento fonte para aspectos que fogem aos olhos. No caso da partida que assistimos, a súmula mostra a relação de atletas profissionais e amadores nas equipes; observa-se que dentre os 18 jogadores escalados na equipe do Guarulhos há 7 profissionais. No Mauaense, apenas um. Outro ponto a ser destacado é a descrição detalhada das razões que levaram às advertências. Como dizemos, houve várias provocações entre os jogadores, especialmente quando a disputa se acirrou no segundo tempo. No caso do cartão amarelo recebido pelo camisa 11 da equipe de Mauá, João Pedro Miranda, aos 84 minutos, narra a súmula:

Motivo: Após ter sido substituído, em seu banco de reserva, ofendeu seu adversário com as seguintes palavras:´´ jogou aonde, joga sua bolinha seu fraco´´. informo ainda que no momento da ofensa o jogo estava paralisado.

Para chegar ao estádio e presenciar estas cenas, fizemos uma pequena jornada. O estádio fica localizado no bairro Vila Galvão, na região oeste da cidade, contíguo à São Paulo. Para chegarmos lá pegamos o ônibus 1782-10 no metrô Santana e descemos na Rua Flôr de Ouro, Jaçanã. Após atravessar o acesso sob a Rodovia Fernão Dias, cumprimos uns 15 minutos de caminhada até o estádio.

O jogo era gratuito e nós entramos pelo portãozinho da Rua dos Coqueiros. De qualquer forma, é possível ter uma boa visibilidade do campo sem a necessidade de entrar. Há uma praça que o cerca, onde uma parte dos torcedores estava assistindo o jogo para fugir do sol forte que banhava a arquibancada. Sentimos falta do tradicional vendedor de amendoim, mas pra compensar esta ausência, havia um vendedor de picolés de quem pudemos comprar picolés de amendoim. Foi novidade para nós, mas aprovamos o sabor desta iguaria que une o melhor de dois mundos.

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Durante o intervalo da partida caminhamos no entorno do estádio. No Lago dos Patos é possível andar de pedalinho gratuitamente, porém somente crianças de até 12 anos acompanhadas do responsável. Portanto, não pudemos andar neles, me deixando um pouco triste por não realizar meu sonho de entrar pela primeira vez na vida num pedalinho.

O Estádio Cícero Miranda está inserido no que se pode chamar de complexo esportivo-cultural da Vila Galvão. Há, além da pista de corrida em torno do lago, o Teatro Nelson Rodrigues, a Biblioteca Municipal e o Museu Histórico Guarulhos, além de uma quadra para futebol e playground. Foi uma surpresa agradável descobrir o Museu, que apesar de parecer pouco alheio às discussões de museológicas recentes, é um espaço de memória regional significativo. Além do mobiliário e objetos domésticos em exposição, há um conjunto de reproduções fotográficas da Vila Galvão no século passado, com muitas imagens do estádio Cícero Miranda. Nas fotos abaixo, datadas da década de 1970, é possível reparar que o antigo muro de concreto foi subsistido pela grade metálica e o letreiro charmoso com o nome do estádio foi removido.

A cidade de Guarulhos, a segunda mais populosa do Estado de São Paulo e com o décimo segundo maior PIB do país, de acordo com o IBGE, possui suas complexidades e contradições. Os incentivos fiscais dados pela prefeitura à industria, desde a metade do século passado, como a doação de terreno, direito de explorar livremente os recursos hídricos e a isenção de imposto, não se mostraram de todo benéficos à cidade, que cresceu desordenada e com políticas publicas deficitárias. Até o ano passado, pouco mais de 10% do esgoto produzido na cidade era tratado, sendo todo o restante despejado diretamente no Rio Tietê. O crescimento econômico da cidade foi acompanhado pelo aumento da desigualdade social, como mostra o Índice Geni.

O Aeroporto Internacional de Guarulhos, o mais movimentado da América Latina e entregue à iniciativa privada em 2011, se comporta como um organismo autônomo dentro da cidade, concentrando uma economia própria. Uma narrativa difundida que centraliza o Aeroporto como totem da cidade, que achata amplitude de suas histórias, tende a coincidir com o fenômeno da mercantilização do espaço urbano e da cidade, de que Otília Arantes escreve neste artigo. Um eco da situação se percebe na substituição no ano passado do escudo da Associação Desportiva Guarulhos, time fundado em 1964, por um que remete à aviação e ao Aeroporto GRU, justificada para atrair investidores, anunciada numa feira esportiva realizada na China, mesmo o time não tendo nenhuma relação clara com o aeroporto. Como se vê na rede social, o novo escudo não foi bem recebido pela torcida, mas ao menos, pelo que vimos nesta tarde de sexta, os torcedores pelo Guarulhos ainda marcam presença nas arquibancadas.

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Escudo da Associação Desportiva Guarulhos

31/07/2019 – O Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi)

Fomos ao Morumbi assistir a partida São Paulo x Palmeiras pela oitava rodada do Campeonato Brasileiro Sub-20. E agora nos deparamos com o desafios de escrever sobre esse estádio, com a certeza de que nossa percepção não será suficiente para abarcar todos os elementos de sua história, e que muitas pessoas já abordaram o tema de forma bem mais contundente do que se faz aqui. Mesmo assim nos lançamos à tarefa.

Comentamos aqui como é comum a um estádio designar a própria localização em que ele está inserido. O caso do Morumbi apresenta semelhanças com o do Pacaembu, pois ambos foram construídos em bairros recém loteados para a classe alta da cidade. A diferença do estádio são-paulino é que sua construção e a de seu bairro foram praticamente simultâneas. Vejamos. O loteamento pela Cia. Imobiliária Morumby ocorreu durante a década de 1940 sobre a antiga fazenda que deu o nome ao bairro, mas sua efetiva ocupação começa a se dar apenas na década de 1950, exatamente no momento de início da construção do estádio em 1952-53. É na mesma década quando iniciam-se as construções de edifícios que até hoje são símbolos do bairro:

  • a residência de Lina Bo Bardi (1951), hoje Casa de Vidro, primeira construção da arquiteta expoente do modernismo brasileiro e uma das primeiras casas do bairro;
  • o que viria a ser o Palácio dos Bandeirantes (em construção desde 1955 para abrigar a Universidade Fundação Conde Franscisco Matarazzo, tendo as obras interrompidas e posteriormente assumidas pelo governo do Estado de São Paulo, sendo o bem apropriado para ser a sede do poder Executivo a partir de 1964);
  • a construção da Capela do Morumbi (1959) sobre as antigas ruínas de taipa oitocentistas, obra do arquiteto Gregori Warchavchik a pedido da Cia. Imobiliária Morumby. Warchavhik foi pioneiro na inserção do modernismo na arquitetura brasileira e, como vimos, o estádio do Pacaembu é vizinho de uma de suas residências. A Casa da Fazenda (1813), sede da antiga fazenda de chá do inglês John Rudge e vizinha da Capela, também foi restaurada pelo arquiteto.

O estádio de certa forma completou uma tríade da arquitetura moderna paulista no bairro. Ao lado de Warchavchik e Bo Bardi, o estádio do Morumbi teve seu desenho traçado pelo grande nome da Escola Paulista: Vilanova Artigas. Um mastodonte do futebol brasileiro que simbolizou uma era de linhas brutas de concreto exposto, de amplas arquibancadas e com capacidade de público realmente massivo (sua capacidade original permitia 149 mil pessoas).

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Seu desenho, no entanto, não é bem visto por todos, sendo a principal reclamação dos torcedores o fato de a torcida ficar disposta muito distante do campo, neutralizando a vantagem de mando de jogo nas partidas do SPFC, além de o anel superior não ter cobertura. Além disso, nas últimas décadas o estádio vem sofrendo inúmeras modificações, caminhando pra se adequar às práticas do futebol moderno, como a colocação de cadeiras nas arquibancadas. Em gestões passadas, muito se desejou também construir uma cobertura e aproximar o anel intermediário do campo, mas estas obras faraônicas estão atualmente fora de cogitação.

A obra fora tão monumental que passou por duas inaugurações, a primeira em 1960, com as obras ainda incompletas, e a segunda em 1970, já finalizadas. Cícero Pompeu de Toledo, o presidente do clube que fez avançar sua realização e hoje dá nome ao estádio, não chegou a ver sua primeira inauguração, vindo a falecer em 1959. Atualmente, após as várias reformas e adequações, o estádio comporta 66.795 pessoas, tornando impossível, portanto, que seja quebrado o recorde de público da final do Campeonato Paulista de 1977, quando mais de 146.000 pessoas assistiram Ponte Preta e Corinthians. Porém, ainda é o estádio de maior capacidade do estado de São Paulo.

(Vale lembrar que antes da construção do Morumbi, o São Paulo Futebol Clube treinava no terreno em que hoje é o Canindé. Pode-se ver algumas fotos dessa época aqui).

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Estádio com as obras finalizadas

O estádio também recebeu uma reforma para sediar alguns jogos da Copa América deste ano, dando mais um passo para sua arenização. O sinal de wi-fi livre estava funcionando e com boa qualidade, já os telões centrais de LED estavam desligados. Para o jogo foi liberado apenas o portão cinco, dando acesso somente para as cadeiras do anel intermediário, que, por serem cobertas pelo anel superior, é um espaço que carrega uma sensação de clausura, sensação que tende a desaparecer conforme nosso corpo se acostuma ao estádio.

O jogo da garotada, realizado numa quarta-feira a tarde, atraiu principalmente uma torcida juvenil e algumas pessoas mais velhas. Infelizmente o tricolor não segurou o clube da Pompeia, que venceu por 1×0. Enfim, com a noite chegando pudemos observar o campo sob a luz dos refletores e, com a missão cumprida de assistir este clássico (versão sub-20) e conhecer mais um estádio, retornamos ao metrô.

Para quem quiser se aprofundar e conhecer um olhar sociológico sobre o uso do estádio do Morumbi, pode também conferir esta dissertação de mestrado. Este post, porém, não acaba aqui no Morumbi, porque descobrimos coisas ainda interessantes a ser contadas.

Em 2010, logo após o anuncio de que a Copa do Mundo seria sediada no Brasil, o Morumbi foi cogitado para ser um dos estádios-sede do evento, representando a cidade de São Paulo. Todos nós sabemos que o estádio foi desconsiderado após recusa da FIFA e que a Arena Corinthians tomou o seu lugar na competição. O que poucos se lembram, no entanto, é que um outro estádio parecia estar em vias de ser construído, hoje sendo apenas uma anedota da história de nosso futebol, sempre conturbada por motivos mais ou menos suspeitos.

Este estádio estava destinado a ser erguido no bairro de Pirituba, próximo à saída da cidade via Rodovia dos Bandeirantes. A mídia esportiva, obviamente, não demorou para chamar o estádio natimorto de Piritubão, nome que hoje traz um ar jocoso pra esta história pitoresca. Seu projeto tinha cara de obra de ficção de um país em delírio com seu desenvolvimentismo, pois a inexistência de qualquer iniciativa para fazer ele avançar parece afirmar isso. Além disso, o terreno onde ele seria construído estava contaminado por metais pesados segundo a Cetesb, e o período de descontaminação inviabilizaria a construção a tempo de sediar a Copa. Toda esta história pode ser conferida aqui. Vale lembrar também que, caso o estádio se concretizasse, o Itaquerão viraria história, pois o Corinthians assumiria o controle do Piritubão ou, bem…, o plano pelo menos era esse.

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Terreno onde se construiria a Arena Pirituba

Voltando ao Morumbi: Em nossa pesquisa também encontramos uma história trágica no estádio. Em 1969, antes da inauguração definitiva, a queda de um raio causou tumulto em uma partida de SPFC x Corinthians, com mais de 54 mil torcedores nas arquibancadas. A confusão fez com que a multidão se aglomerasse na mureta externa sob o anel superior, que se rompeu pelo excesso de pressão e torcedores vieram ao chão. Um pedaço do muro acertou o corintiano João Raimundo Benedetti, que faleceu na hora. Esse episódio é muito bem contado aqui pelo Alexandre Giesbrecht.

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Por fim, vídeo abaixo, produzido pela TV Cultura, mostra filmagens do período de construção e inauguração do Morumbi.

 

27/07/2019 – O Estádio Comendador Roberto Ugolini (Sede Social do Juventus)

Em uma sexta-feira modorrenta, descobrimos pelas redes sociais do Grêmio Novorizontino – 2h antes do início da partida – que a equipe sub-20 do clube interiorano visitaria a sede social do Juventus para a partida inaugural da segunda fase do Campeonato Paulista.

Como há um novorizontino roxo entre nós, combinamos de correr para chegar a tempo na Mooca. Afinal de contas, o jogo ainda valeria a inscrição de um novo estádio neste blog.

Chegamos razoavelmente atrasados para a partida, mas ainda a tempo de ver uns 15 minutos finais do primeiro tempo. O estádio estava cheio de juventinos na diminuta arquibancada (estimamos que tem capacidade para cerca de 400-450 pessoas) e o placar era favorável ao Tigre, que vencia por 1×0. No segundo tempo, no entanto, as coisas desandaram para o clube aurinegro.

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Após muita pressão, a equipe grená conseguiu arrancar um pênalti, que foi convertido em gol. E não tardou para que os donos da casa crescessem ainda mais para virar o jogo. No segundo tempo, a torcida juventina ficou exatamente ao lado do gol novorizontino e as provocações contra os zagueiros e o goleiro se estenderam irritantemente até o minuto final de jogo. Pouco se ouvia de apoio ao time da casa, as manifestações da torcida eram todas direcionadas para os adversários (e para o juiz, obviamente).

Fim de jogo e uma leve tristeza com a derrota, fomos dar uma volta pelo entorno do estádio. Conhecemos o Parque Sabesp Mooca e ficamos impressionados com a quantidade de bebedouros por metro quadrado, fazendo justiça ao produto da empresa. Ficamos imaginando se a água que bebemos vinha diretamente do reservatório d´água do parque.

Durante nossa flânerie, passamos em frente à um edifício abandonado, muito grande e muito feio, na Avenida Paes de Barros. As paredes de cor bege, já desgastadas pelo tempo, com poucas janelas, remete a uma tipologia arquitetônica bastante presente em São Paulo, não sendo difícil intuir que ali funcionou, em algum momento, um shopping center. Buscando no Google por Shopping Paes de Barros, o primeiro resultado é uma reportagem de 2013 a respeito da segunda interdição do imóvel pela prefeitura por irregularidades no projeto.

Procurando mais pela história do prédio na internet encontrei algumas avaliações no Foursquare que diziam que o shopping era muito escuro e vazio. Fiquei curiosa em saber como era internamente e felizmente a internet é pródiga em registros: de corrida de Papai Noel nas escadas rolantes à gravação por drone. Mas há dois simpáticos vídeos de 2010 gravado por adolescentes, provavelmente depois da escola, haja visto os uniformes, que mostram o funcionamento do shopping. Este, na praça de alimentação com só um restaurante aberto, e o que segue abaixo, nos corredores.

Me empolgo demais montando um inventário imaginário da cidade, colecionando descoberta de edifícios e suas histórias. Se voltamos para casa tristes pela derrota de virada do Tigre, pelo menos o súbito passeio nos fez andar em lugares desconhecidos por nós.

21/07/2019 – O Estádio Municipal Bruno José Daniel

Um dia atípico nos levou à cidade de Santo André, a cidade que outrora foi a vila de Santo André da Borda do Campo, fundada pelo bandeirante João Ramalho. E, se ao menos não buscamos emular as atrocidades cometidas nas bandeiras, tivemos algo em comum para chegar à cidade: muita andança. Caminhamos cerca de 10km com o céu aberto e o sol rachando nossa cabeça (pelo menos é inverno), provavelmente a mesma distância que os jogadores correram em campo neste domingo. A história é longa:

09h14 do domingo: parados no ponto da esquina da Consolação com a Paulista víamos o ônibus que precisávamos pegar se afastando, sem previsão de quando passaria o próximo. O plano para aquele dia era assistir Guarulhos x Joseense pela Segunda Divisão do Paulista, às 10h da manhã no Estádio Antônio Soares de Oliveira, mas já não chegaríamos a tempo. A culpa foi minha que demorei mais tempo do que calculei para me vestir e sair de casa.

Com a tristeza da incapacidade e o ressentimento pelos planos dissolvidos pegamos outro ônibus e fomos nos esquentar ao sol no Parque da Aclimação antes de voltar para casa e gastar o dia no sofá.

Já era quase 11h. Descobrimos pelo Google que o Esporte Clube Santo André jogava em casa contra o Água Santa pela Copa Paulista às 15h. Era nossa chance e lá fomos nós para Santo André, da forma que gastasse menos passagem possível: andando a pé, num percurso de 3,6 km, até a estação Mooca-Juventus, e de lá pegar o trem para descer na Prefeito Celso Daniel e caminhar mais 3km.

Atravessamos os bairros da Aclimação, Cambuci e um pedacinho da Mooca em mais ou menos 45 minutos de caminhada. Passamos por ruas que eu não conhecia e que naquela tarde de domingo, silenciosas e vazias, soaram como esquecidas em outro tempo, em contraste com a Avenida do Estado, barulhenta e congestionada, que precisamos cruzar por uma passarela para chegarmos na estação Mooca-Juventus. A fábrica da Companhia Antarctica Paulista, junto aos trilhos ferroviários, de alguma forma me impressionou, seja pela sua monumentalidade ou pelo estado degradado.

Embarcamos na CPTM e cinco estações depois chegamos na Estação Prefeito Celso Daniel, em Santo André. De lá precisamos andar mais 3km, a maior parte do trajeto em uma única via, a Avenida Queirós dos Santos, em que se encontra atualmente a fábrica da Bridgestone Firestone. De longe se sente o cheiro impregnante de borracha e as pilhas de pneu se avolumam em seu pátio.

A maior parte do comércio, por ser domingo, estava fechado. Também havia bastante imóvel vazio e alguns deteriorados. As ruas transmitiam algo de sonolento. Depois de meia hora de caminhada nos deparamos com o Brunão e uma torcida consistente ao redor.

A equipe andreense tem meio século de história e acumula feitos notáveis, especialmente nos últimos 20 anos, como a surpreendente e inesquecível conquista da Copa do Brasil sobre o Flamengo no Maracanã lotado em 2004. Seu mascote é o explorador português João Ramalho e por isso o time também é conhecido por Ramalhão, como não poderia ser diferente do uso tradicional dos aumentativos no futebol.

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Ramalhão, o mascote do Santo André

O clube manda seus jogos para o estádio municipal, cuja capacidade de 8000 torcedores é bem pequena em relação ao porte da cidade. Por isso, nos jogos de grande demanda de público (e por exigência de regulamentos) o Santo André manda seus jogos para a capital. Além disso, construído em 1969, o estádio sofre com a falta de manutenção. Há notícias de que desde 2015 há promessas de reformar a construção, sem que, no entanto, a reforma tenha saído do papel até agora. No jogo que assistimos, o gramado, que é de responsabilidade do clube, apresentava muitas falhas.

O estádio possui características interessantes como a ausência de arquibancada atrás dos gols, ausência de área coberta ou de cadeiras, e um fosso que separa o campo da torcida, gerando alguma dor de cabeça para os gandulas quando a bola resolve cair neste vão. O estádio é todo pintado em azul, amarelo e branco, as cores do escudo do clube e brasão da cidade.

Nós e mais de 600 andreenses e alguns visitantes presenciamos um clássico do ABCD, Santo André x Água Santa, jogando pela primeira fase da Copa Paulista. O jogo teve alguns dribles bonitos da equipe de Santo André, mas poucos lances ofereceram chance de gol para as duas equipes, terminando zero a zero. Sentamos próximos à Torcida Esquadrão, que durante os noventa minutos da partida não parava de pular e cantar, entre outros cânticos:

Santo André querida do coração
Sigo te apoiando com emoção
A copa do brasil eu comemorei
(História linda)
E pela sua história me apaixonei
Eu vou contar
Seja na serie D ou na seria A
Vou cantar
É Santo André

A música ficou ressoando na minha cabeça durante a volta para casa. De alguma forma a letra liga a devoção ao time com dois fatores: o amor a cidade e o reconhecimento dos feitos marcantes do clube, sua história, em suma. De alguma forma, essas razões afetivas são encontradas em todo torcedor de qualquer time, uma relação com um lugar e uma admiração pelas conquistas anteriores, admiração essa não se ofusca mesmo numa má fase.

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Perdemos o outro ingresso antes de tirar a foto

08/06/2019 – O Estádio Municipal Vereador José Feres

Nasci e sempre morei em Taboão da Serra, mas pouco ou nada conhecia do time daqui, o Clube Atlético de Taboão da Serra, CATS. Quando começamos o projeto deste blog em agosto de 2018, inclusive com um jogo do próprio Taboão, me animou muito a ideia de escrever sobre um estádio tão próximo da minha casa. Porém, esse dia demorou para chegar.

No dia 8 de janeiro deste ano o Estádio Municipal Vereador José Feres, foi vetado pela Federação Paulista de Futebol, tendo 24h para indicar um estádio para suas partidas na série A-3. Ainda em janeiro, teve todo o material de trabalho retirado do campo pela prefeitura e o impedimento de utilizar o campo para treino¹. O time taboanense passou a jogar em Osasco, no Estádio José Liberatti.

A situação se estendeu até o mês de abril, quando o estádio foi liberado para os jogos das séries de base. Podemos então conhecer o Canil do Cão Pastor, que foi inaugurado em 1992 e conta hoje com gramado sintético e capacidade para 7.500. Situado em uma área da cidade de relevo mais elevado, é vizinho da Praça Venezuela, com uma vista bonita do bairro Chácara Agrindus.

Vimos então  Taboão da Serra x Água Santa, time de Diadema, pela 10ª rodada do Campeonato Paulista Categorias de Base Sub-20. Perdendo por 4×1, os donos da casa, que já estavam na lanterna da tabela, foram eliminados da próxima fase da competição.

Súmula do jogo 

¹Blog Valente Cão Pastor [Acesso em 29/06/2019]

09/05/2019 – O Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho (Pacaembu)

 

Canindé, Morumbi, Itaquerão, Pacaembu. Cada estádio torna-se um monumento do bairro ou da cidade e talvez o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, universalmente conhecido como Pacaembu, seja o mais emblemático da cidade de São Paulo.

Construído em 1940, no auge do Estado Novo e em um momento de incentivo às práticas esportivas enquanto atividade patriótica e de culto ao corpo, o estádio segue as linhas da art decó em todo seu desenho (com destaque para a fachada, arquibancadas e torres de refletores) quando o estilo começa a ceder espaço para as construções modernistas. Curiosamente a art decó foi também muito utilizada no Brasil nos edifícios industriais, o que talvez denote uma aproximação entre os espaços fabris e o Pacaembu, em contraste com seu entorno: o bairro que dá nome ao estádio e loteado em 1925 pela companhia City foi projetado para moradia da classe mais abastada de São Paulo e assim mantém-se até hoje. Não a toa o traçado do bairro é tombado pelo Condephaat e Compresp e foi palco de inserção da arquitetura moderna no gosto da elite paulistana, como a casa da rua Itápolis de Gregori Warchavchik (construído em 1930) , a poucos metros do estádio, é testemunha.

O estádio, portanto, faz parte de um segundo momento do futebol brasileiro, quando a prática esportiva já havia se tornado um espetáculo massivo. Vale lembrar que ainda não existia o Maracanã no Rio (de 1950), e na década de 30 o maior estádio em SP ainda era o Palestra Italia, que recebeu uma grande reforma em 1933 permitindo o local receber cerca de 30 mil torcedores (hoje demolido). Na época de inauguração, o Pacaembu podia receber multidões de mais de 50 mil pessoas e era um marco da modernidade do futebol sul-americano.

Em 1961, o estádio recebe o nome oficial de Paulo Machado de Carvalho e em 1969, já na gestão municipal de Paulo Maluf, ele sofre uma grande alteração com a demolição da concha acústica, localizada na extremidade sul (oposta à entrada principal), e a construção em seu lugar de uma arquibancada para cerca de 10 mil pessoas. Já com outros espaços modificados em anos anteriores, o Pacaembu passa a comportar pouco menos de 40 mil torcedores, número ainda hoje mantido.

O Pacaembu certamente foi o principal estádio de São Paulo até a inauguração do Morumbi, em 1960. Após isso, deixa de receber as decisões de campeonatos ou outros jogos de grande público. Sua utilização, no entanto, continuou forte graças aos mandos de jogo do Corinthians antes de possuir seu próprio estádio de grande capacidade e da equipe de Santos. Hoje, embora competindo com outros três estádios de grande capacidade em São Paulo, continua recebendo jogos e decisões em diversas modalidades do esporte bretão.

O Museu do Futebol, espaço de memória e história do esporte mais praticado no país, está localizado embaixo das arquibancadas do estádio. Inaugurado em 2008, hoje conta também com um Centro de Referência do Futebol, possuindo uma importante coleção de livros e periódicos relacionados ao futebol.

O futuro do estádio, no entanto, é incerto. Devido ao processo de privatização da atual gestão estadual, o estádio pode sofrer grandes alterações e descaracterizações em sua estrutura, pois apenas a fachada e alguns outros elementos estão protegidos por órgãos patrimoniais.

No jogo que assistimos, a equipe feminina do Corinthians venceu por 3×1 a equipe amazonense Iranduba, válida para a primeira fase do Campeonato Brasileiro, primeira divisão. Com público de pouco mais de 5 mil pessoas, a torcida corinthiana pode retornar, como dizem, a sua saudosa maloca, o estádio-monumento do Pacaembu.