31/07/2019 – O Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi)

Fomos ao Morumbi assistir a partida São Paulo x Palmeiras pela oitava rodada do Campeonato Brasileiro Sub-20. E agora nos deparamos com o desafios de escrever sobre esse estádio, com a certeza de que nossa percepção não será suficiente para abarcar todos os elementos de sua história, e que muitas pessoas já abordaram o tema de forma bem mais contundente do que se faz aqui. Mesmo assim nos lançamos à tarefa.

Comentamos aqui como é comum a um estádio designar a própria localização em que ele está inserido. O caso do Morumbi apresenta semelhanças com o do Pacaembu, pois ambos foram construídos em bairros recém loteados para a classe alta da cidade. A diferença do estádio são-paulino é que sua construção e a de seu bairro foram praticamente simultâneas. Vejamos. O loteamento pela Cia. Imobiliária Morumby ocorreu durante a década de 1940 sobre a antiga fazenda que deu o nome ao bairro, mas sua efetiva ocupação começa a se dar apenas na década de 1950, exatamente no momento de início da construção do estádio em 1952-53. É na mesma década quando iniciam-se as construções de edifícios que até hoje são símbolos do bairro:

  • a residência de Lina Bo Bardi (1951), hoje Casa de Vidro, primeira construção da arquiteta expoente do modernismo brasileiro e uma das primeiras casas do bairro;
  • o que viria a ser o Palácio dos Bandeirantes (em construção desde 1955 para abrigar a Universidade Fundação Conde Franscisco Matarazzo, tendo as obras interrompidas e posteriormente assumidas pelo governo do Estado de São Paulo, sendo o bem apropriado para ser a sede do poder Executivo a partir de 1964);
  • a construção da Capela do Morumbi (1959) sobre as antigas ruínas de taipa oitocentistas, obra do arquiteto Gregori Warchavchik a pedido da Cia. Imobiliária Morumby. Warchavhik foi pioneiro na inserção do modernismo na arquitetura brasileira e, como vimos, o estádio do Pacaembu é vizinho de uma de suas residências. A Casa da Fazenda (1813), sede da antiga fazenda de chá do inglês John Rudge e vizinha da Capela, também foi restaurada pelo arquiteto.

O estádio de certa forma completou uma tríade da arquitetura moderna paulista no bairro. Ao lado de Warchavchik e Bo Bardi, o estádio do Morumbi teve seu desenho traçado pelo grande nome da Escola Paulista: Vilanova Artigas. Um mastodonte do futebol brasileiro que simbolizou uma era de linhas brutas de concreto exposto, de amplas arquibancadas e com capacidade de público realmente massivo (sua capacidade original permitia 149 mil pessoas).

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Seu desenho, no entanto, não é bem visto por todos, sendo a principal reclamação dos torcedores o fato de a torcida ficar disposta muito distante do campo, neutralizando a vantagem de mando de jogo nas partidas do SPFC, além de o anel superior não ter cobertura. Além disso, nas últimas décadas o estádio vem sofrendo inúmeras modificações, caminhando pra se adequar às práticas do futebol moderno, como a colocação de cadeiras nas arquibancadas. Em gestões passadas, muito se desejou também construir uma cobertura e aproximar o anel intermediário do campo, mas estas obras faraônicas estão atualmente fora de cogitação.

A obra fora tão monumental que passou por duas inaugurações, a primeira em 1960, com as obras ainda incompletas, e a segunda em 1970, já finalizadas. Cícero Pompeu de Toledo, o presidente do clube que fez avançar sua realização e hoje dá nome ao estádio, não chegou a ver sua primeira inauguração, vindo a falecer em 1959. Atualmente, após as várias reformas e adequações, o estádio comporta 66.795 pessoas, tornando impossível, portanto, que seja quebrado o recorde de público da final do Campeonato Paulista de 1977, quando mais de 146.000 pessoas assistiram Ponte Preta e Corinthians. Porém, ainda é o estádio de maior capacidade do estado de São Paulo.

(Vale lembrar que antes da construção do Morumbi, o São Paulo Futebol Clube treinava no terreno em que hoje é o Canindé. Pode-se ver algumas fotos dessa época aqui).

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Estádio com as obras finalizadas

O estádio também recebeu uma reforma para sediar alguns jogos da Copa América deste ano, dando mais um passo para sua arenização. O sinal de wi-fi livre estava funcionando e com boa qualidade, já os telões centrais de LED estavam desligados. Para o jogo foi liberado apenas o portão cinco, dando acesso somente para as cadeiras do anel intermediário, que, por serem cobertas pelo anel superior, é um espaço que carrega uma sensação de clausura, sensação que tende a desaparecer conforme nosso corpo se acostuma ao estádio.

O jogo da garotada, realizado numa quarta-feira a tarde, atraiu principalmente uma torcida juvenil e algumas pessoas mais velhas. Infelizmente o tricolor não segurou o clube da Pompeia, que venceu por 1×0. Enfim, com a noite chegando pudemos observar o campo sob a luz dos refletores e, com a missão cumprida de assistir este clássico (versão sub-20) e conhecer mais um estádio, retornamos ao metrô.

Para quem quiser se aprofundar e conhecer um olhar sociológico sobre o uso do estádio do Morumbi, pode também conferir esta dissertação de mestrado. Este post, porém, não acaba aqui no Morumbi, porque descobrimos coisas ainda interessantes a ser contadas.

Em 2010, logo após o anuncio de que a Copa do Mundo seria sediada no Brasil, o Morumbi foi cogitado para ser um dos estádios-sede do evento, representando a cidade de São Paulo. Todos nós sabemos que o estádio foi desconsiderado após recusa da FIFA e que a Arena Corinthians tomou o seu lugar na competição. O que poucos se lembram, no entanto, é que um outro estádio parecia estar em vias de ser construído, hoje sendo apenas uma anedota da história de nosso futebol, sempre conturbada por motivos mais ou menos suspeitos.

Este estádio estava destinado a ser erguido no bairro de Pirituba, próximo à saída da cidade via Rodovia dos Bandeirantes. A mídia esportiva, obviamente, não demorou para chamar o estádio natimorto de Piritubão, nome que hoje traz um ar jocoso pra esta história pitoresca. Seu projeto tinha cara de obra de ficção de um país em delírio com seu desenvolvimentismo, pois a inexistência de qualquer iniciativa para fazer ele avançar parece afirmar isso. Além disso, o terreno onde ele seria construído estava contaminado por metais pesados segundo a Cetesb, e o período de descontaminação inviabilizaria a construção a tempo de sediar a Copa. Toda esta história pode ser conferida aqui. Vale lembrar também que, caso o estádio se concretizasse, o Itaquerão viraria história, pois o Corinthians assumiria o controle do Piritubão ou, bem…, o plano pelo menos era esse.

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Terreno onde se construiria a Arena Pirituba

Voltando ao Morumbi: Em nossa pesquisa também encontramos uma história trágica no estádio. Em 1969, antes da inauguração definitiva, a queda de um raio causou tumulto em uma partida de SPFC x Corinthians, com mais de 54 mil torcedores nas arquibancadas. A confusão fez com que a multidão se aglomerasse na mureta externa sob o anel superior, que se rompeu pelo excesso de pressão e torcedores vieram ao chão. Um pedaço do muro acertou o corintiano João Raimundo Benedetti, que faleceu na hora. Esse episódio é muito bem contado aqui pelo Alexandre Giesbrecht.

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Por fim, vídeo abaixo, produzido pela TV Cultura, mostra filmagens do período de construção e inauguração do Morumbi.

 

10/04/2019 – O Estádio Doutor Oswaldo Teixeira Duarte (Canindé)

O que mais me interessa no futebol são as suas relações com a cidade e o viver urbano. A proposta que fizemos a nós mesmos, autores desse site, de conhecer todos os estádios em dias de jogos do Estado de São Paulo, em um primeiro momento, era movida por um interesse restrito à arquitetura e infraestrutura destes. Conforme nosso projeto está lentamente em andamento, no entanto, mais nos instiga a pensar o sobre o futebol pra além dos 90 minutos da partida.

Fomos ao estádio da Portuguesa, o Dr. Oswaldo Teixeira Duarte, ou apenas Canindé, no dia 10 de abril de 2019, em ocasião do jogo Lusa x Palmeiras, da segunda rodada da fase de grupos do Campeonato Brasileiro Feminino A2. Este é o primeiro ano da equipe feminina palmeirense, criada após a decisão da CONMEBOL e CBF que obriga os times que disputam a Libertadores e o Brasileirão a manterem equipes femininas de futebol. Mesmo tendo entrada franca como a maior parte dos jogos femininos, as arquibancadas estavam bem vazias. Nem vendedor de amendoim estava presente.

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Construído à margem do Rio Tietê, dos assentos mais elevados é possivel enxergar o trafego de veículos da Marginal e a bonita linha do horizonte da Serra da Cantareira. No entanto, as dificuldades econômicas do clube se fazem notar na estrutura do estádio, construído na década de 1970. Um ar de abandono e decadência se faz perceber, principalmente no anel sob a arquibancada. Uma parte da receita da Portuguesa vêm do aluguel das dependências do complexo para eventos como festas de música eletrônica. Já o Ginásio atualmente está locado para a Igreja Renascer em Cristo.

Região do Canindé/Pari teve, no século passado, um caráter industrial muito forte, e alguma coisa liga o futebol em São Paulo com o cotidiano fabril, podendo-se perceber uma quantidade significativa de pequenos clubes de futebol na região. Por exemplo, do outro lado da Ponte da Vila Guilherme ainda existe o Esporte Clube Vigor, fundado por funcionários da empresa de laticínios com mesmo nome.

Outro exemplo é a Associação Atlética Serra Morena, fundado em 1929, na rua Araguaia, bem próximo ao Estádio da Portuguesa. Suas cores e escudo lembram muito a de outro time paulista:

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Crédito da Imagem: Cacellain – História do Futebol

É possível que a semelhança não seja apenas uma coincidência gratuita. O São Paulo Futebol Clube antes de construir o estádio do Morumbi alugou por muito tempo o complexo do Canindé como centro de treinamento. Os serranos afirmam que foi o SPFC que copiou seu escudo, e não o contrário.

Voltando a falar do bairro, encontrei esse vídeo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2013 pertencente a uma série sobre as histórias dos bairros paulistanos. Há outro vídeo sobre o distrito do Canindé especificamente, mas o que me chama a atenção neste é que, mesmo não sendo tão antigo, o bairro já passou por profundas transformações. Dos comércios familiares mostrados no episódio a maior parte já está fechada e os imóveis vazios.

A relação entre o declínio da Portuguesa e o esvaziamento do bairro talvez não tenham uma ligação direta, mas são sintomáticas de um processo de financeirização que atinge a vida urbana em todas as esferas. Times que já tiveram seu momento de glória perde espaço para o futebol cada vez mais elitizado. Da mesma forma que os comércios menores, familiares, não aguentam a pressão das grades redes. Se esvaziam e as cidades perdem seus lastros de sociabilidade.

A partida terminou Lusa 0 x Palmeiras 2.