02 e 16/11/2019 – A Arena Corinthians (O Itaquerão)

Não sem um pouco de atraso mas antes tarde do que nunca, escrevemos finalmente a respeito de um momento muitíssimo especial deste blog: finalmente fomos conhecer a casa do Corinthians, time inequívoco dos autores daqui. E o visitamos em dois momentos: No seminário Corinthians: Democracia e Repressão, promovido pelo Núcleo de Estudos do Corinthians; e na final do Campeonato Paulista Feminino.

Chegando de metrô à estação Corinthians-Itaquera, ainda dentro do vagão, é possível entrever o estádio imponentemente elevado e majestoso, com sua brancura leitosa. Em nossa primeira visita à casa Alvinegra, assim como nas que se seguiram, o céu estava aberto e o sol inclemente. O seminário aconteceu no mesmo dia do festival de hip-hop Sons da Rua, e muita gente saindo da estação estava indo ver os shows. Como não sabia onde por onde entrar, achei que seria uma boa ideia acompanhar a multidão.

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Não era. Subi a imensa ladeira da av. Miguel Ignácio Curi, sem a sombra de uma árvore sequer, atoa. Enquanto a entrada para o show era no portão G, o acesso para o seminário era pelo estacionamento da Radial. O erro, porém, me fez dar uma volta completa na construção. Não foi tão difícil quanto subir o Monte Sinai, mas pude testemunhar os dez mandamentos do corinthianismo na face oeste do estádio. Então passei pela garagem para poder chegar no local em que acontecia o evento, a sala de imprensa, localizada no subsolo.

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Organizado em duas mesas, o seminário discutiu as dimensões sociais e politicas do futebol, especialmente em relação ao Corinthians e a sua torcida, obviamente. Das discrepâncias do clube e seus dirigente, à repressão das torcidas e a elitização do futebol foram posta em pauta. Uma das falas mais incisivas foi do publicitário e um dos fundadores da Gaviões da Fiel, Chico Malfitani, que abordou a necessidade do posicionamento antifascista diante do cenário político atual.  De alguma forma me pareceu potente trazer esse tipo discussão para dentro desse espaço contraditório que é a Arena, encarnação do futebol mercantilizado que afasta as massas da torcida e se transforma em produto de luxo.

A inacessibilidade da Arena se mostrou para mim neste dia em um exemplo prosaico. Neste dia, o único lugar possível para comer alguma coisa durante o seminário era uma lanchonete em frente à sala de imprensa. A única opção vegetariana era um pão de queijo muchibento que custou dolorosos seis reais. Fui embora com fome.

Alguns trechos do seminário podem ser vistos aqui.

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A Arena Corintians se materializou no contexto da Copa do Mundo de 2014, em que recebeu a celebração de abertura e seis partidas da competição. A construção, iniciada em 2011, foi realizada pela Odebrecht e teve custo final de mais R$1,1 bilhão. No entanto, o projeto de um estádio de grande porte que fosse do Corinthians tem uma longuíssima história, como descreve Roberto Righi¹:

“Nas décadas de 1950 e 1960 o presidente Vicente Matheus sonhava com um estádio para 200 mil expectadores, que levou ao pedido à Prefeitura Municipal de São Paulo do terreno hoje ocupado, vinculado à COHAB para projetos habitacionais. Em 1968, ainda sem a área, o presidente Wadih Helu pretendeu construir um estádio para 135 mil pessoas, depois substituído pela suposta compra do Estádio do Pacaembú, não realizada. Apesar de tudo foi só em 1978 que a gleba de 197 mil metros quadrados foi cedida pelo prefeito Olavo Setubal por 90 anos, renovada em 1988, com a condição de que qualquer construção deveria ser revertida para a municipalidade sem custo após 90 anos. Cogitou-se também nos anos 1980 reformar o Parque São Jorge cobrindo e ampliando sua capacidade para 41 mil lugares. Porém nada se realizou e na administração de Alberto Dualib novos projetos surgiram e fracassaram. Cogitou a construção de um estádio novo na Rodovia dos Bandeirantes ou Ayrton Senna com parceria do Banco Excel. Na sequência também aventou: primeiro um na rodovia Raposo Tavares em parceria com a Hicks, Muse e Tate&Furst, depois voltou para Itaquera e o Parque São Jorge. Finalmente, em 2009 André Sanches, presidente do Corinthians, cogitou a compra do Pacaembú para a construção de um mega empreendimento.”

Fortuitamente, enquanto pesquisava outro assunto em uma biblioteca municipal, encontrei um livro do Metrô de São Paulo a respeito da construção da Linha 3 – Vermelha, publicado em 1979. Em Leste oeste : em busca de uma solução integrada, aparece os projetos iniciais das estações e intervenções urbanísticas em seu entorno. Me surpreendeu bastante encontrar um menção à um estadio do Corinthians localizado nas imediações da estação Itaquera. Observa-se, porém, que projeto era completamente diferente do estádio que veio a ser construído décadas depois, como os anéis circulares  e um recuo maior das arquibancadas  em relação ao campo (provavelmente para a inclusão de uma pista de atletismo), semelhante ao desenho do Morumbi.

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Em 2012, Prefeitura de São Paulo anunciava a construção do Polo Institucional Itaquera, como parte do investimento na Copa, um grande complexo multifuncional no entorno do estadio, que previa, entre outras coisas, uma rodoviária, um parque tecnológico e um centro de convenções, dos quais só a Fatec foi concretizada. O projeto contava ainda com a melhoria de espaços públicos, como construção de bulevares, passeios e praça, que também nunca saíram do papel.

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O entorno do estádio caracteriza-se hoje por uma aridez sem fim. Nada de praças ou áreas ajardinadas, apenas asfalto, grama e o passeio público de cimento sem proteção de árvores, contribuindo para um calor intenso nos dias de sol. A leste do estádio há um grande pátio asfaltado em abandono, onde estava projetada a construção de um Fórum acompanhado de massa arbórea e um Centro de Convenções e Eventos, conforme mostra ilustração abaixa.

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O segundo semestre é sempre mais complicado assistir a jogos a baixo custo e visitar estádios mais desconhecidos porque neste período a maior parte dos campeonatos regionais ou de base já se encaminham para seus últimos jogos. Conforme acompanhávamos a distância o andamento dos campeonatos femininos, o brasileiro e o paulista, sabíamos que seria neles onde encontraríamos nossa última chance de visitar um estádio este ano. E a oportunidade que surgiu foi inesperada. Ao contrário do ano passado, quando o Corinthians foi vice-campeão na Fazendinha, as finais do Campeonato Paulista Feminino de 2019 marcaram a presença das meninas de São Paulo e Corinthians no estádio do Morumbi e na Arena Corinthians. Tudo se configurou para que pudéssemos conhecer o estádio paulista da Copa do Mundo no sábado de 16 de novembro, data de aniversário de um de nós, e assistir nossa primeira final de campeonato juntos.

O jogo era gratuito, porém os ingressos seriam distribuídos alguns dias antes nas bilheterias do estádio. Tivemos a sorte de poder comparecer no primeiro dia de distribuição, pois neste dia mesmo os ingressos se esgotaram. Apesar da longa fila e de ficarmos torrados sob o sol de Itaquera (esquecemos do protetor solar), saímos de lá com o sorriso no rosto e a garantia de que iríamos presenciar aquele jogo que prometia fechar com chave de ouro a excepcional campanha do time feminino do Corinthians (campeão da Libertadores, vice do Brasileiro e a marca de 34 vitórias consecutivas, recorde mundial).

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Dia da retirada dos ingressos, 13 de novembro.

Chegado o grande dia, entramos pelo portão B para alcançar as cadeiras no lado Oeste Superior. Esta entrada nos possibilitou conhecer o átrio do estádio, onde está disposta uma exposição de inúmeras camisetas e outros itens que marcaram a história do Timão. Ficamos um pouco incomodados com o excesso de branco na construção, lembrando muito o branco asséptico das galerias de arte, e sentimos falta do concreto quente das velhas arquibancadas de estádios. Além disso, para provar que a assepsia não é metafórica, é possível ir ao banheiro sem encostar as mão nas descargas, pois tudo é automatizado, o que, contrariamente a sua proposta de economia, acabavam gastando muito mais água, pois os sensores de movimento estavam desregulados e dando descargas múltiplas.

Daí entramos finalmente nas arquibancadas, um momento um tanto emocionante, seja pelo evento decisivo que iríamos presenciar, pelo tamanho do estádio ou pela importância que aquele jogo poderia ter no futebol feminino. E de fato teve, pois 28.862 pessoas compareceram ao estádio, marcando um novo recorde de público entre dois clubes brasileiros de futebol feminino.

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Após vencer o primeiro jogo no Morumbi por 1×0, o time corinthiano só precisava de um empate para sagrar-se campeão, mas isso não impediu que ocorresse um jogo bastante aberto e movimentado. Poucos minutos após o início da partida, no horário bastante ingrato das 11h da manhã, o Corinthians abre o placar, com muita vibração da Fiel que não descansou um segundo durante o jogo, obrigando o São Paulo a se abrir ainda mais em busca de um gol. O clima foi de festa durante toda a partida, pois muitas barreiras estavam sendo quebradas naquela partida, como, já citados, a estreia do feminino no Itaquerão, a participação do público e, entre as quatro linhas do campo, o primeiro título estadual da equipe do Corinthians e a marca de incríveis 44 jogos consecutivos sem perder (a derrota para a Ferroviária na final do Brasileirão aconteceu nos pênaltis após dois empates). O segundo tempo foi palco de mais um show das alvinegras, que ampliaram o placar para 3×0 e puderam soltar da garganta da torcida o “é campeão” tão esperado naquele sábado ensolarado.

Na saída do jogo tivemos a oportunidade de provar a pior pizza de estádio das nossas vidas. Convictos de que a qualidade seria comparável à qual saboreamos após um jogo no Pacaembu, fomos com água na boca atrás das famosas pizzas de 10 reais. Infelizmente, nos deparamos com uma massa de pastel crua e uma cobertura nojenta de algo que emulava queijo e calabresa. Um final lamentável para um dia glorioso.

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¹ Righi, Roberto. Definição, desenvolvimento, e legado da Copa de 2014 em São Paulo, Brasil. Anais NUTAU 2014 – Megaeventos e Sustentabilidade: Legados tecnológicos em Arquitetura, Urbanismo e Design, 2014.

31/07/2019 – O Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi)

Fomos ao Morumbi assistir a partida São Paulo x Palmeiras pela oitava rodada do Campeonato Brasileiro Sub-20. E agora nos deparamos com o desafios de escrever sobre esse estádio, com a certeza de que nossa percepção não será suficiente para abarcar todos os elementos de sua história, e que muitas pessoas já abordaram o tema de forma bem mais contundente do que se faz aqui. Mesmo assim nos lançamos à tarefa.

Comentamos aqui como é comum a um estádio designar a própria localização em que ele está inserido. O caso do Morumbi apresenta semelhanças com o do Pacaembu, pois ambos foram construídos em bairros recém loteados para a classe alta da cidade. A diferença do estádio são-paulino é que sua construção e a de seu bairro foram praticamente simultâneas. Vejamos. O loteamento pela Cia. Imobiliária Morumby ocorreu durante a década de 1940 sobre a antiga fazenda que deu o nome ao bairro, mas sua efetiva ocupação começa a se dar apenas na década de 1950, exatamente no momento de início da construção do estádio em 1952-53. É na mesma década quando iniciam-se as construções de edifícios que até hoje são símbolos do bairro:

  • a residência de Lina Bo Bardi (1951), hoje Casa de Vidro, primeira construção da arquiteta expoente do modernismo brasileiro e uma das primeiras casas do bairro;
  • o que viria a ser o Palácio dos Bandeirantes (em construção desde 1955 para abrigar a Universidade Fundação Conde Franscisco Matarazzo, tendo as obras interrompidas e posteriormente assumidas pelo governo do Estado de São Paulo, sendo o bem apropriado para ser a sede do poder Executivo a partir de 1964);
  • a construção da Capela do Morumbi (1959) sobre as antigas ruínas de taipa oitocentistas, obra do arquiteto Gregori Warchavchik a pedido da Cia. Imobiliária Morumby. Warchavhik foi pioneiro na inserção do modernismo na arquitetura brasileira e, como vimos, o estádio do Pacaembu é vizinho de uma de suas residências. A Casa da Fazenda (1813), sede da antiga fazenda de chá do inglês John Rudge e vizinha da Capela, também foi restaurada pelo arquiteto.

O estádio de certa forma completou uma tríade da arquitetura moderna paulista no bairro. Ao lado de Warchavchik e Bo Bardi, o estádio do Morumbi teve seu desenho traçado pelo grande nome da Escola Paulista: Vilanova Artigas. Um mastodonte do futebol brasileiro que simbolizou uma era de linhas brutas de concreto exposto, de amplas arquibancadas e com capacidade de público realmente massivo (sua capacidade original permitia 149 mil pessoas).

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Seu desenho, no entanto, não é bem visto por todos, sendo a principal reclamação dos torcedores o fato de a torcida ficar disposta muito distante do campo, neutralizando a vantagem de mando de jogo nas partidas do SPFC, além de o anel superior não ter cobertura. Além disso, nas últimas décadas o estádio vem sofrendo inúmeras modificações, caminhando pra se adequar às práticas do futebol moderno, como a colocação de cadeiras nas arquibancadas. Em gestões passadas, muito se desejou também construir uma cobertura e aproximar o anel intermediário do campo, mas estas obras faraônicas estão atualmente fora de cogitação.

A obra fora tão monumental que passou por duas inaugurações, a primeira em 1960, com as obras ainda incompletas, e a segunda em 1970, já finalizadas. Cícero Pompeu de Toledo, o presidente do clube que fez avançar sua realização e hoje dá nome ao estádio, não chegou a ver sua primeira inauguração, vindo a falecer em 1959. Atualmente, após as várias reformas e adequações, o estádio comporta 66.795 pessoas, tornando impossível, portanto, que seja quebrado o recorde de público da final do Campeonato Paulista de 1977, quando mais de 146.000 pessoas assistiram Ponte Preta e Corinthians. Porém, ainda é o estádio de maior capacidade do estado de São Paulo.

(Vale lembrar que antes da construção do Morumbi, o São Paulo Futebol Clube treinava no terreno em que hoje é o Canindé. Pode-se ver algumas fotos dessa época aqui).

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Estádio com as obras finalizadas

O estádio também recebeu uma reforma para sediar alguns jogos da Copa América deste ano, dando mais um passo para sua arenização. O sinal de wi-fi livre estava funcionando e com boa qualidade, já os telões centrais de LED estavam desligados. Para o jogo foi liberado apenas o portão cinco, dando acesso somente para as cadeiras do anel intermediário, que, por serem cobertas pelo anel superior, é um espaço que carrega uma sensação de clausura, sensação que tende a desaparecer conforme nosso corpo se acostuma ao estádio.

O jogo da garotada, realizado numa quarta-feira a tarde, atraiu principalmente uma torcida juvenil e algumas pessoas mais velhas. Infelizmente o tricolor não segurou o clube da Pompeia, que venceu por 1×0. Enfim, com a noite chegando pudemos observar o campo sob a luz dos refletores e, com a missão cumprida de assistir este clássico (versão sub-20) e conhecer mais um estádio, retornamos ao metrô.

Para quem quiser se aprofundar e conhecer um olhar sociológico sobre o uso do estádio do Morumbi, pode também conferir esta dissertação de mestrado. Este post, porém, não acaba aqui no Morumbi, porque descobrimos coisas ainda interessantes a ser contadas.

Em 2010, logo após o anuncio de que a Copa do Mundo seria sediada no Brasil, o Morumbi foi cogitado para ser um dos estádios-sede do evento, representando a cidade de São Paulo. Todos nós sabemos que o estádio foi desconsiderado após recusa da FIFA e que a Arena Corinthians tomou o seu lugar na competição. O que poucos se lembram, no entanto, é que um outro estádio parecia estar em vias de ser construído, hoje sendo apenas uma anedota da história de nosso futebol, sempre conturbada por motivos mais ou menos suspeitos.

Este estádio estava destinado a ser erguido no bairro de Pirituba, próximo à saída da cidade via Rodovia dos Bandeirantes. A mídia esportiva, obviamente, não demorou para chamar o estádio natimorto de Piritubão, nome que hoje traz um ar jocoso pra esta história pitoresca. Seu projeto tinha cara de obra de ficção de um país em delírio com seu desenvolvimentismo, pois a inexistência de qualquer iniciativa para fazer ele avançar parece afirmar isso. Além disso, o terreno onde ele seria construído estava contaminado por metais pesados segundo a Cetesb, e o período de descontaminação inviabilizaria a construção a tempo de sediar a Copa. Toda esta história pode ser conferida aqui. Vale lembrar também que, caso o estádio se concretizasse, o Itaquerão viraria história, pois o Corinthians assumiria o controle do Piritubão ou, bem…, o plano pelo menos era esse.

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Terreno onde se construiria a Arena Pirituba

Voltando ao Morumbi: Em nossa pesquisa também encontramos uma história trágica no estádio. Em 1969, antes da inauguração definitiva, a queda de um raio causou tumulto em uma partida de SPFC x Corinthians, com mais de 54 mil torcedores nas arquibancadas. A confusão fez com que a multidão se aglomerasse na mureta externa sob o anel superior, que se rompeu pelo excesso de pressão e torcedores vieram ao chão. Um pedaço do muro acertou o corintiano João Raimundo Benedetti, que faleceu na hora. Esse episódio é muito bem contado aqui pelo Alexandre Giesbrecht.

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Por fim, vídeo abaixo, produzido pela TV Cultura, mostra filmagens do período de construção e inauguração do Morumbi.